quinta-feira, 6 de maio de 2010

GAP na II Semana de Dieitos Humanos, Cidadania e Acesso à Justiça

Ocorreu, entre os dias 26 e 30 de abril no Salão Nobre da Faculdade de Direito/UFRGS, a II Semana de Direitos Humanos, Cidadania e Acesso à Justiça organizada pelo SAJU com o apoio da Faculdade de Direito e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Os cinco painéis, apresentados durante a Semana, foram organizados por seis grupos do SAJU, com o objetivo de provocar discussão e reflexão no público acerca de temas desenvolvidos no interior de cada projeto. Entre os painelistas tivemos tanto operadores do Direito, como juízes federais, ex-desembargadores e oficiais da ONU, como poetas, jornalistas e sociólogos. O Evento estava sendo organizado há seis meses e mobilizou a todos para que fosse possível a sua realização.

O GAP foi responsável pela organização da palestra do último dia sobre controle jurisdicional de atos administrativos discricionários no que tange à regularização fundiária (presença de Ari Dirceu Giacomin, diretor do Departamento de Regularização Fundiária da SEHADUR; e de Jacques Alfonsin, Advogado da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos e ex-procurador do Estado), bem como das solenidades de encerramento da semana. Durante a palestra, foi colocado pelos organizadores que o tema “atos administrativos arbitrários quanto à regularização fundiária” tinha pouco apelo midiático, devido à mídia ser fiel protetora do direito à propriedade. Destacou-se a importância da interação das esferas de poder Judiciário e Executivo em atos públicos que requerem a locação de recursos públicos. Antes da fala dos palestrantes, foi exibido um vídeo com uma reportagem realizada pela TVE sobre as condições de moradia da população residente em algumas vilas de Porto Alegre, mostrando como isso afeta suas vidas.

A seguir, alguns aspectos e falas destacadas no vídeo:


O morador deve ter seus direitos buscados junto ao órgão público, pois a moradia de uma pessoa é a sua expressão privada no mundo e o direito à moradia é um direito humano fundamental e social.
É necessária assessoria técnica e jurídica nas regularizações fundiárias.
Problemas enfrentados pela população residente nas vilas:
Sustento, muitas vezes, tirado do lixo; casas construídas muito próximas umas da outras; residências sem banheiro; quando chove, ocorrem alagamentos; contato direto da população com lixo e esgoto; casas com uma única peça...
O déficit habitacional de Porto Alegre é de 370 mil moradias, sendo que 83% atinge pessoas com até três salários mínimos. Isso ocorre em parte porque muitas pessoas do interior pensam que morar em Porto Alegre é a solução, e acabam morando pior aqui. Dificuldades: aluguel caro, renda média baixa, falta de acesso ao financiamento, dificuldades de comprovar a posse do terreno, excesso de burocracia...
É necessário o apoio público, incluindo União, Estado e Município.
Entre as vilas apresentadas, a vila São Pedro foi a que apresentou a pior situação, sem calçamento e sem rede de esgoto, pois a continuidade da construção das casas e o projeto de saneamento estacionaram por falta de recursos.
Na vila São Judas, outra vila apresentada, os moradores vivem com medo de perderem suas casas, impedidos de fazerem reformas, devido à atual situação irregular. Quando chegaram, foram autorizados a ocupar o território, mas a ocupação perdeu o controle com o passar do tempo. O programa de assentamento engatinha há cinco anos, e há falta de estrutura, como por exemplo a falta de creches.
A vila Salvador França foi a que apresentou melhores condições, mas mesmo assim há diversas obras paradas devido ao peso no orçamento das famílias. As pessoas q ali residem estão há anos sem garantia de posse, e o tombamento como patrimônio histórico não permite a ampliação da vila.

Abaixo, pontos destacados pelos palestrantes:

Ari Dirceu Giacomin, diretor do Departamento de Regularização Fundiária da SEHADUR:

O atual diretor do departamento de regularização fundiária do estado afirmou que eles estão atuando nas três vilas apresentadas no vídeo, e que no total atuam em 19 áreas, algumas em estágio bem avançado de regularização, mas destaca que o trabalho não termina nunca, pois sempre há aperfeiçoamentos a serem feitos. O diretor afirma que o trabalho realizado por seu departamento é uma atividade altamente complexa, embora isso não deva servir de desculpa para justificar as deficiências observadas. Destaca que sua equipe é formada apenas por nove funcionários, havendo uma necessidade de aumentá-la, além da necessidade de se aprimorarem as parcerias com o governo federal, para possibilitar a disponibilidade de mais recursos. Segundo ele, o Rio Grande do Sul tem dificuldades na regularização fundiária porque aqui é tudo mais caro, dificultando a agilização dos processos.

A respeito do tema proposto, Ari Dirceu explana:

Hoje, há um grande avanço na fiscalização do Judiciário nos atos do Executivo. O Executivo tem a prerrogativa do binômio oportunidade-conveniência, e o Judiciário tem a função de descobrir se a legalidade do ato executivo é discricionária. A intervenção do Judiciário no Executivo se dá ao traçarem os orçamentos. (...)
Exemplo do caso da Chácara das Bananeiras:
Perto do presídio central, a Chácara das Bananeiras possui 214 hectares, onde estão assentadas quatro mil famílias. O estado não tem interesse em retirá-las, mas mil delas precisam ser reassentadas. O Judiciário faz essa exigência, mas para isso ocorrer, nós teríamos que parar todos os outros projetos de assentamento, e ainda assim não teríamos recursos o suficiente. A Ação Civil Pública obriga-nos a fazer uma série de coisas, mas o Estado não conseguirá cumprir a meta, pois o Ministério Público pediu “tudo e mais um pouco”, e o Judiciário deferiu essas medidas. Não conseguimos cumprir os prazos. (...)
Apesar de todas as dificuldades, lá no nosso departamento todos são muito bem recebidos e muito bem atendidos sempre, nós temos a agenda aberta e tudo ocorre pacificamente. O problema é que a situação financeira do Estado é ruim, até mesmo para pagar o décimo terceiro dos servidores públicos. Nosso Estado tem muitos gastos! (...)
Temos muitas dificuldades. A questão dos assentamentos muitas vezes se dá fora das diretrizes urbanísticas. As pessoas chegam lá e “tomam conta”. São necessários mais mil lotes na Chácara das Bananeiras, e são vinte mil reais por lote, então seriam vinte milhões de reais gastos no assentamento. O Judiciário concedeu uma liminar, cobrando dez mil por dia de multa. Não temos condições. (...)
Sim, precisamos lutar para dar condições mais dignas de vida para quem precisa. Somos apenas nove, mas o nosso funcionário mais novo tem dez anos ali, todos têm paixão pelo trabalho, são especialistas. Infelizmente, perdemos muito tempo “respondendo” ao Ministério Público. Seria mais proveitoso um diálogo para pressionar os agentes políticos ao invés dessas ações feitas pelo Ministério Público, que foi buscado para isso.


Jacques Alfonsin, Advogado da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos e ex-procurador do Estado:

O doutor Alfonsin inicia sua fala comentando que costuma receber o pessoal do SAJU a respeito da vila São Judas, e então faz os seguintes questionamentos:
Quais são as lógicas que presidem as preocupações com as ações que querem resolver os problemas relativos ao tema?
Quais são os sujeitos envolvidos no processo?
O que a legislação diz sobre tudo isso? O Direito tem uma resposta eficaz?
Qual é o valor presente nos princípios éticos, jurídicos... que podem iluminar o cumprimento das responsabilidades que nos cabem?
Como o povo reage às ausências do artigo primeiro da Constituição? Segundo o doutor, essas ausências demonstram o fracasso do mundo do direito, do poder público, e um Estado que se diz democrático de direito não pode permitir uma “barbaridade dessas”. Os futuros juristas precisariam encontrar uma solução. Citou os desastres recentes no Rio de Janeiro, em Niterói e Angra dos Reis, ressaltando que muitas daquelas pessoas envolvidas não sabem dos seus direitos.

A partir daí, doutor Alfonsin explana:

Além do povo de classe baixa envolvido nos processos, há o envolvimento da classe média e alta (alheios), do poder público, e do poder judiciário em específico.
A classe média participa com um sentimento de incerteza e insegurança, e não com um sentimento de solidariedade. Eles têm medo que os pobres possam sublevarem-se e ocuparem seus espaços. (...)
O poder público tem a preocupação de ampliação do seu poder, indiferente às implicações sociais que isso pode ter (exemplo da preparação para a Copa do Mundo, modificando a vida de comunidades). O Ministério Público deveria ser o “ministério de todos”, defensor da natureza, dos pobres, da sociedade civil. Mas eu mesmo já sofri quatro ações do Ministério Público, como advogado do MST, para expulsar gente. Não há sensibilidade social! (...)
O poder judiciário demonstra que a interpretação das leis depende do estrato social do individuo, pois o pobre, morador de vila, é considerado um criminoso por seu lugar social. E o direito à propriedade privada preside todos os direitos reais e preside a posse. Além de tudo, a mídia estimula o conservadorismo reacionário privatista. (...)
E o que é a regularização fundiária? A REGRA depende da “RÉGUA” (delimitações, medidas). E a RÉGUA vira “ÉGUA”, pois é decidido tudo no “coice”, mostrando como a regularização fundiária NÃO deve ser: partindo da lei, ao invés de partir do povo, que está como OBJETO e não como SUJEITO. O titular é o último a ser consultado! O povo acaba ficando sem regra e sem régua! (...)
Se o título de aquisição de um espaço físico de terra só pode passar pela compra, grande parte do povo terá negado esse direito? Não se pode negar direito à moradia só porque o povo não tem recursos, pois isso seria negar direitos humanos fundamentais, negar o reconhecimento da dignidade humana. O que falta à interpretação judicial é a configuração constitucional que os direitos fundamentais devem ser seguidos. Limites orçamentários arriscam a divisão fundiária, é preciso existir uma solução jurídica! (...)
A constituição de 1988 não contemplava alimentação e moradia, direitos fundamentais, isso é uma vergonha! Alimentação e moradia não eram considerados direitos sociais pela letra da lei. Só em 2001 houve uma emenda de moradia, e só agora em 2010 houve uma emenda de alimentação! Artigos do Código do Processo Civil associam direitos à posse, não há defesa da dignidade humana como há da propriedade, dos patrimônios! (...)
O Juiz deve discutir a solução, e não descer a espada da justiça no povo! Não se pode mais tratar a questão da posse de terras como se tratava na Revolução Francesa. À propriedade privada urbana deve estar inerente a função social. O direito à propriedade não é mais absoluto. É preciso derrubar essa parede ideológica! (...)
Entre o direito e o anti-direito, o melhor é o NÃO-direito, pois os direitos fundamentais são escamoteados pelo capital! É preciso dar preferência urgente ao NÃO-ente, ao NÃO-cidadão, ao NÃO-direito! E que o modelo de NÃO-solidariedade passe a ser um modelo de solidariedade! (...)
A palavra “solo” tem a mesma raíz de “sola” e “sala”. O solo é incomensurável em seu valor! Nele se exerce a liberdade essencial do ser de ir e vir.


A partir das explanações dos painelistas é aberto um espaço para dúvidas e debates com a platéia:

Aparecem críticas ao estado, perguntando-se ao diretor Ari Dirceu por que, se o Estado não tem recursos, se gasta tanto com propagandas em favor do Estado. Também é citado John Rawls, e questionado se o Estado não deveria fazer mais esforços não para celebrar os “vencedores”, mas sim para os “perdedores”, que são os que precisam dele. O doutor Alfonsin também é questionado sobre de onde deveria partir, de quem deveria ser a iniciativa de reivindicação dos direitos fundamentais. E também é questionado quais seriam os motivos do Ministério Público para querer criminalizar o MST por ocupação de terras e movimentos sociais em frente a órgãos públicos.

Ari Dirceu concorda com as críticas, dizendo que infelizmente todos os governos gastam muito com propaganda, inclusive o governo federal e o municipal também, e lamenta que seu departamento tenha o orçamento tão limitado. Responde que concorda com a “celebração dos perdedores”, mas que é difícil quando a sociedade passa correndo em frente aos problemas sociais dos mais necessitados e não se preocupa nem em ver o que está acontecendo ali, que não há muita divulgação midiática também.

O doutor Alfonsin cita o livro “A Segunda Abolição”, de Cristóvam Buarque, e comenta que se 1,3% do orçamento federal fosse destinado à moradia, ninguém estaria sem moradia, e que com 2,5% ao ano, em poucos anos se faria a reforma agrária. Porém, a prioridade é sempre salvar os ricos. Ele cita a recente crise econômica mundial iniciada nos EUA, em que os governos investiram muito para salvar bancos e empresas. Responde então à pergunta sobre de onde deveria partir a iniciativa de reivindicação dos direitos fundamentais, dizendo que ela deve partir das nossas próprias mãos, que nós devemos estender à mão em busca do que é humano, independente de para qual humano seja. Depois, responde à pergunta sobre a criminalização do MST pelo Ministério Público dizendo que o MP já chegou a votar escondido pela extinção do MST, e que depois tiveram que voltar atrás. E que a Reforma Agrária tão requisitada pelo MST sofre uma gigantesca força contra da mídia, ressaltando que ela já chegou a ocorrer em Tapes com a plantação de arroz orgânico, mas que a mídia não divulga. E termina ressaltando que não há conflitos sobre terra que não envolvam ricos e pobres.

Finalização do Evento:

Após o término dos debates, ocorre o fechamento da II Semana de Direitos Humanos, Cidadania e Acesso à Justiça, com um certificado simbólico para os participantes da palestra e com a fala final sobre o principal objetivo da Semana, levar o meio acadêmico à sociedade, ressaltando o papel revolucionário que o SAJU exerce na sociedade, com o sentimento final de missão cumprida.